sábado, 10 de outubro de 2009

Ainda bem que não era um certo professor

Sentindo que as articulações dos dedos incomodavam e que o cotovelo, além das dores normais, comuns a todo professor, queimava ao menor toque, procurou o médico.

- Ah, é ácido úrico. Não tenha dúvidas. Mas, em todo caso, vamos fazer um exame de sangue. Feito o exame, não deu outra. O índice de ácido úrico, que deveria situar-se entre 8 a 10 mg, estava beirando os 11 mg. O médico foi drástico: regime e começando já.

Privou-o do torresminho assanhado, do churrasquinho de gato do final da tarde e, quem diria, até mesmo dos grãos de todo tipo. Agüentou o regime por dois dias e foi o bastante. Ao final do terceiro, acostumou-se à dor e voltou saudoso aos pecadinhos da carne e dos grãos.

Dias depois, encontrando o médico, descobriu o que era ser drástico. Este, além do sonoro pito, proibiu-lhe o que antes já havia proibido e muitas outras coisas mais. Para assustá-lo, solicitou novo exame de sangue e, desta vez, percebeu que seu índice já ultrapassara os 12 mg. Muito preocupado, enfrentou o regime; desta vez, por cinco dias. Mas, afinal, o sábado chegou e perder a feijoada do Marcão, nem morto. Após a feijoada, acreditou que o regime tinha ido mesmo por água abaixo e esqueceu-se das recomendações médicas.

Aí a crise chegou. A gota, dura e perversa, inchou-lhe o joanete a ponto de não agüentar nem mesmo chinelo. Até o toque do lençol doía e, semi-entrevado, outro recurso não achou senão que, envergonhado, procurar o médico. Desta vez, o regime e mais os remédios foram radicais. Assustado com a dor, cuidou de seguir todas as prescrições e, quinze dias depois, novo exame de sangue trouxe-lhe o conforto e os parabéns do médico.

- Agora sim. Conseguimos baixar o índice e você, com juízo, remédio e regime, chegou aos 8 mg. Você está curado. Esqueça a gota e goze a vida...

Ainda bem que quem o atendeu foi um médico. Caso fosse um professor, certamente estaria submetido a normas regimentais ou portarias oficiais, obrigando-o a refletir que a aprovação depende sempre de uma “média”; e como seu primeiro índice, somado ao segundo e ao terceiro impunha um resultado ponderado, este certamente indicaria o cumprimento da recuperação, mesmo estando literalmente curado. Onze, mais doze, mais oito indica a média 10,3 mg. É ácido úrico demais e a recuperação inevitável.

A cura é detalhe!
Extraído do livro Marinheiros e Professores, Celso Antunes. Ed. Vozes.
Download em http://www.4shared.com/get/33499483/53cd8388/celso_antunes_-_marinheiros_e_professores.html

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